O Rio Grande do Norte oficializou, por meio da Lei nº 12.254/2025, a criação do Dia Dona Militana, que passa a integrar o calendário oficial de eventos do Estado. A data escolhida, 19 de março, marca não só o nascimento da artista, mas reforça a valorização da cultura popular potiguar, frequentemente esquecida nos discursos oficiais.
A lei foi publicada nesta terça-feira (15) no Diário Oficial do Estado e prevê que, a partir de agora, o legado da romanceira potiguar será lembrado anualmente como símbolo de resistência e riqueza da oralidade popular.
Nascida no sítio Oiteiros, em São Gonçalo do Amarante, Dona Militana construiu uma trajetória única dentro da cultura popular do RN. Filha de Atanásio Salustino do Nascimento, Mestre do Fandango, e de Maria Militana do Nascimento, cresceu ouvindo e memorizando romances medievais ibéricos. Mesmo proibida de cantar pelo pai, ela transformou o que era censura em acervo e se tornou, mais tarde, reconhecida nacionalmente como a última guardiã do romanceiro medieval nordestino.
Sua trajetória foi marcada por uma voz potente e única, que resistiu ao tempo e às dificuldades, preservando narrativas que beiram a epopeia e retratam reis, princesas, duques e guerreiros com a mesma força de quem nunca precisou de papel para decorar histórias.
Apesar de analfabeta, Dona Militana ficou conhecida como uma enciclopédia viva da cultura oral do Brasil. Recebeu, em 2005, das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Comenda Máxima da Cultura Popular, título que consolidou seu nome como patrimônio imaterial do país.
Por que o RN deve celebrar?
O reconhecimento por meio de uma data oficial é mais do que simbólico. Trata-se de um acerto histórico com uma cultura tantas vezes invisibilizada, sobretudo no interior do Rio Grande do Norte. O Museu Municipal de São Gonçalo do Amarante, onde suas memórias estão preservadas, será agora reforçado como guardião desse legado.
O romanceiro popular, que Dona Militana carregava na memória e na voz, remonta à tradição oral europeia trazida ao Brasil pelos colonizadores, mas foi nas mãos de mulheres como ela que encontrou solo fértil para sobreviver. Narrativas como “Conde de Amarante” e “Nau Catarineta”, cantadas por Militana, atravessaram gerações e são hoje parte da identidade cultural do Estado.
Além dos romances, Dona Militana também interpretava modinhas, coco, xácaras, moirão, aboios e fandangos, tudo em cadência que remete ao cantochão europeu, reforçando a influência direta das tradições ibéricas.
Legado eternizado em CD e no calendário
Nos anos 1990, o folclorista Deífilo Gurgel foi responsável por apresentar ao país o talento da romanceira. O trabalho resultou no álbum triplo “Cantares”, lançado no eixo São Paulo-Rio de Janeiro. À época, a crítica reconheceu a singularidade de sua voz e seu repertório como um dos últimos resquícios vivos do romanceiro tradicional.
Dona Militana faleceu em 19 de junho de 2010, aos 85 anos.
Agora, com a sanção da nova lei, o RN faz justiça ao nome que já deveria figurar entre os grandes da cultura brasileira. O Dia Dona Militana não é apenas uma homenagem: é um chamado para preservar o que ainda nos resta da oralidade nordestina.
Fonte: PortalN10
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