Se aqui estivesse, ela estaria completando, hoje, 93 anos de idade. ZILA MAMEDE nasceu em Nova Palmeira (PB), mas sempre se sentiu plenamente potiguar. Ela é a estrela-guia de gerações de poetas e bibliotecários deste estado onde viveu e morreu. Ao lançar, em 1953 o seu primeiro livro, ROSA DE PEDRA, a poeta conquistou a admiração de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Escreveu livros emblemáticos da poesia potiguar, a exemplo de O ARADO.
Como bibliotecária organizou a bibliografia de Câmara Cascudo, nos anos 1960, e a de João Cabral de Melo Neto, nos anos 1980. Escrever poemas e semear bibliotecas foram as missões de sua vida. Foi a idealizadora da Biblioteca Central da UFRN que, após sua morte, tornou-se Biblioteca Central Zila Mamede (BCZM).
Na sua poesia, o sertão e o mar eram recorrentes. Sob a égide do sertão, escreveu BANHO (RURAL), selecionado no livro OS CEM MELHORES POEMAS BRASILEIROS DO SÉCULO. Abaixo, o poema:
De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando
um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio
com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio
onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba
e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali perdia-se, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava
por longo capinzal, cantarolando:
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes
velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.
Moldava-se em sabão, estremecida,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio d’água era carícia antiga.
Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.
Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.
Então era que a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural.
*EdUFRN
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