por Iano Flávio Maia - MCC
A obra de Luzia Dantas
O aniversário da escultora Luzia Dantas foi celebrado em 27 de fevereiro, mas uma vida como a dela não se comemora em um dia. Luzia é patrimônio vivo da cultura potiguar, uma das grandes escultoras do nosso estado. Nas mãos dela, um pedaço de umburana ganha vida e movimento. No dia internacional da mulher, o Museu Câmara Cascudo relembra a trajetória de uma das artistas mais pesquisadas pela instituição.
Luzia começou a entalhar ainda na infância, no sítio Cachoeira, município de São Vicente, onde nasceu em 1937. Fazia os próprios brinquedos, como cachorros, gatos, coelhos… A inspiração pode ter vindo dos bonecos que a mãe fazia com cascas de melancia. É que, por ali, ninguém trabalhava na madeira daquele jeito e, só depois, Luzia descobriria ser uma arte e a fonte do seu sustento.
Aos poucos, começavam a chegar as primeiras encomendas. Primeiro, da própria vizinhança, mais brinquedos para a meninada, logo vieram as encomendas de santos e Luzia aprendeu a afiar os olhos e as ferramentas para esculpir tudo o que via ao seu redor.
Luzia Dantas esculpindo imagem religiosa – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
Ela até tentou esculpir na pedra, mas fazia muita poeira e cegava os instrumentos de trabalho. Luzia gosta mesmo de trabalhar a madeira da Umburana, árvore comum na Caatinga. Começa com um facão para conseguir o tamanho ideal, depois usa trinchas e sovelas para dar forma à nova escultura. Só depois da peça lixada é que começa o acabamento.
A peça pronta, Luzia entrega para o mundo. Ela perdeu as contas de quantos trabalhos já fez e nem tem ideia de onde foram parar suas obras. Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Estados Unidos, Portugal. Dizem que até o Papa tem uma escultura assinada por ela.
Luzia no museu
No começo dos anos 2000, Luzia Dantas esteve no Museu Câmara Cascudo para receber o catálogo com a sua obra no acervo da instituição. Ela deixou de lembrança uma pequena coroa, confeccionada ali mesmo, durante o evento. Não foi a primeira vez. A arte de Luzia é objeto de pesquisas na instituição desde os anos 1960, no então Instituto de Antropologia. Ela até contou para a equipe pedagógica do MCC que aprendeu a fazer o movimento dos animais na escultura da vaquejada ao observar as obras de Xico Santeiro – outro importante mestre potiguar da escultura – no acervo da instituição.
A “Vaquejada” de Luzia Dantas está preservada no Museu desde 1970 – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
A arte de Luzia Dantas teria sido “descoberta” pelos pesquisadores Veríssimo de Melo e Câmara Cascudo ainda nos anos 1960, com direito a citação em seus livros. No final da década de 1970, participou das pesquisas do programa Bolsa Trabalho Arte. Volta no ano 2000, na pesquisa Santeiros e Devoções, da professora Wani Pereira e no projeto Vernáculo, de 2012.
Suas obras formam uma das mais antigas coleções no acervo do museu. São 25 obras, incorporadas entre os anos 1960 até a primeira década dos anos 2000. Os trabalhos retratam na madeira, o cotidiano do sertanejo como “Mula com Barris” (1962), “Vaqueiro com boi”(1963), “Casa de farinha” (1965) e “Construção de açude” (1965), com um estilo realista, quase como a fotografia daqueles momentos.
Escultura “Construção de açude”, de 1965 – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
A obra de Luzia também representa a devoção católica dos seridoenses, quando ela recupera inspirações barrocas em obras como “Cristo” (1965), “São Miguel” (1980), “Nossa Senhora Aparecida” (2006) e “O frade confessando” (1980), também representadas no acervo do MCC.
O “Presépio” de Luzia Dantas, de 19 representa a devoção do povo seridoense. – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
Dona Luzia não parou de trabalhar. Deu apenas uma pausa para cuidar da saúde. Na última quinta-feira, 04, tomou a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Mesmo assim, nas horas vagas, pequenas obras de arte ainda brotam das suas mãos. O Museu Câmara Cascudo agradece a oportunidade de preservar a arte dessa grande escultora potiguar, símbolo da luta da mulher sertaneja que ganhou o mundo com a arte.
GALERIA
No princípio, era o tronco. Madeira da Umburana é a preferida de Luzia Dantas – Foto: Cícero Oliveria/Agecom/UFRN
Nas mãos da artesã, a madeira começa a ganhar forma – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
“Mula com barris” (1962), uma das peças mais antigas de Luzia Dantas no Museu Câmara Cascudo – ela ainda pintava parte das peças – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
“Vaquejada” (1970) mostra o movimento nas patas dos animais, que ela teria aprendido ao observar a obra de Xico Santeiro, no Museu Câmara Cascudo – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
“Construção de açude” (1965) retrata o cotidiano da artista no Seridó Potiguar – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
“Coqueiro” (1966) mostra como Luzia molda cada pequena parte e monta o cenário com muita leveza – Foto: Cícero Oliviera/Agecom/UFRN
“O frade confessando” (1980) representa a obra de Luzia Dantas inspirada na devoção do sertanejo – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN
*Agência de Comunicação - AGECOM-UFRN.
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