sábado, 29 de junho de 2019

Poucas e boas do mundo jurídico

*Por Marcos Pinto 


As formalidades forenses atinentes nos feitos processuais não impedem que se desenrolem cenas jocosas, manifestadas de forma involuntária, porém, respaldadas pela evidência de sinceridade em seus protagonistas, quer seja do autor da ação, quer seja do contestante.

Os “causos” que passarei a descrevê-los tem inteiro e inexpugnável cunho de veracidade. Vivi-os alguns, outros foram-me narrados pelos personagens que viveram esses momentos hilariantes. Certa vez fui patrono de um caboclo que cometera lesão corporal de natureza grave, em uma contenda ocorrida na zona rural. Naquela ocasião empunhara uma “roçadeira”(espécie de foice com curva acentuada) e incontinenti direcionara-a ao pescoço do outro contendor que, num lance rápido de instinto de sobrevivência erguera o braço para evitar que fosse degolado, tendo recebido o golpe no braço que, decepado, caíra ao solo, o que ocasionou a fuga do autor para se livrar do flagrante. 

Designada a data para que o réu fosse interrogado em Juízo, acompanhei- como advogado. Em lá chegando, encontramos o magistrado absorto na leitura do processo. O meu constituinte, malgrado o ato cometido, era detentor de uma sinceridade sem procedentes, posto que fora criado dentro dos padrões inflexíveis do homem do campo, de mãos calejadas e alma, rija. Aberta audiência, sequenciada pela formulação de perguntas de praxe, eis que o meritíssimo Juiz indaga ao réu: “É verdade que você cometeu o ato criminoso, ou seja, que você usando de uma roçadeira, investiu contra a vítima, decepando-lhe parte do braço? Impassível, respondeu-lhe o réu: 

- É verdade dotô, mais eu num tive curpa não! pois eu botei a roçadeira foi pru pescoço, aí ele botou o braço no meio, entonce ocorreu o que ocorreu! – conclui enfaticamente o réu. A sinceridade do tabaréu foi tão grande que o douto Juiz esboçou ligeiro sorriso, no que acompnhei-o sob a mesma intensidade facial. 

Outro “causo” que tem a simetria perfeita do êxtase da comicidade configurou-se no interrogatório de uma testemunha ocular de lesão corporal. Prestando o compromisso, perguntou-lhe a autoridade policial: 

- A testemunha viu, realmente quando o agressor aqui presente deu a “paulada” na cabeça da vítima? 

- Vi e não vi, e ao mesmo tempo vi, respondeu-lhe a testemunha. A resposta deixou o delegado perplexo ante a complexidade das alegações. A seguiu pediu a testemunha que explicasse o por quê de que “viu e não viu, e ao mesmo tempo viu” o fato descrito na queixa-crime, tendo a mesma respondido: 

- É o seguinte doto Delegado: Eu ia passando em frente à casa desse casal que discutia aos berros, então eu vi ele alevantar o pedaço de pau em direção à cabeça da mulher, nesse momento eu fechei os “óio” prá num ver a desgraça, e quando abri, a mulher já tava caída no chão, ensanguentada. 

Em uma sessão do Tribunal do Júri Popular em Mossoró, tivemos ruidosa manifestação de risos ante uma testemunha nervosa. Travava-se de crime de homicídio em que o acusado envolvera-se em tiroteio com outros 02 contendores, culminando em morte. O MM. Dr. Juiz pergunta à testemunha: 

- Na ocasião, quantas pessoas estavam atirando?

- Três, respondeu-lhe. 

- E os tiros? eram seguidos, assim – perguntou o Juiz imitando o som de tiros de sequência rápida, com ose fora de metralhadora, ao que a testemunha respondeu: 

- Não doto, não era metralhadora não! era revólver mesmo! 

A insistência desabou na gargalhada, sendo contida pelo toque insistente da campainha, acionada por um Juiz também risonho. 

O Tribunal do Júri popular tem sido palco de grandes exibições de esgrima verbal, tanto da Promotoria quanto do Advogado de defesa. Em Pau dos Ferros houve uma sessão do Júri que chamou a atenção de toda cidade, vez que seria julgada uma pessoa de família tradicional daquela urbe. Por ocasião da atuação do Promotor, fez este uma retumbante acusação, culminando-a de forma cinematográfica, escandindo as palavras. Nesse ínterim, o advogado de defesa pede-lhe um aparte, sendo-lhe concedido. Ante a plateia atenta, pergunta-lhe o defensor: 

- Eu pergunto ao Dr. Promotor: Se o crime tivesse sido de conjunção carnal, V. Exa. pegaria a arma do crime e faria a exposição da mesma aos Srs. Jurados com o mesmo afã, o mesmo exibicionismo, como fez agora há pouco? 

O Dr. Promotor fez “ouvidos de mercador” e continuou sua oratória sob tamanha manifestação risonha do público presente. 

06.02.1995

Por Marcos Pinto – historiador e advogado.

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