segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Os Correios da linha da região Oeste no ano de 1900

Por Marcos Pinto

Os sertões da região Oeste potiguar apresentavam, no longínquo ano de 1900, um cenário desolador que inseria os seus desamparados e esquálidos habitantes numa completa desdita. As autoridades federais e estaduais pouco ou nada faziam para o amenizar o flagelo das secas que assolavam aquelas plagas, a maior algoz das almas sertanejas.

Imagine-se a verdadeira via-crucis enfrentada pelos estafetas daqueles remotos tempos, enfrentando sede e fome, para desempenharem mais ou menos a contento o trabalho de entregas de encomendas e correspondências. Configurava-se o dolente perfil de uma população desamparada, alheia ao surto do progresso dos grandes centros.

Vivia-se à míngua dos recursos científicos necessários à cura das infectas doenças, que proliferavam aliadas à condição miserável em que estavam condenados em suas passagens por esse longo roçado meio espinhoso da vida. Abordemos o tema que encima estas despretensiosas análises.

A Agência dos Correios e Telégrafos do Apodi foi inaugurada em 30 de Janeiro de 1907. Quanto às entregas de correspondências e encomendas, a linha do Apodi era servida por cinco estafetas (Carteiros). Atendiam pelos nomes de Luiz Carcará, João Viado, Manoel Umbelino, João Carneiro e Manoel Ricardo, este o mais antigo, posto que iniciara este ofício desde o ano de 1888.

Percorriam o trajeto à pé, com a mala às costas. Exerciam seus ofícios imbuídos de um indiferentismo pernicioso, sendo, por isso, objetos de reclamações gerais, restando observados pelos que habitavam as cidades,Vilas e paragens do roteiro da linha do Apodi, um completo relaxamento, dado a demora da entrega das correspondências e encomendas.

João Viado e Manuel Umbelino eram os dois estafetas validos, gozando das mesmas regalias dos colegas, posto que não esforçavam-se para o bom desempenho de seus cargos. O governo também era culpado do desprezo em que se achava este tão importante ramo do serviço público, remunerando pessimamente os estafetas.

Nenhum homem ganhava, àquela época, menos de sessenta mil réis mensais para desempenhar aquela função, isto de forma particular. Os estafetas, funcionários públicos que eram, percebiam apenas quarenta mil réis como remuneração mensal, recebidas estas remunerações no ano de 1913.

Como forma de potencializarem a concretização de um eventual pleito de aumento salarial, os estafetas pediam, cinicamente, aos Agentes dos Correios localizados que enchessem as guias de lama, catarro e quejandos, contanto que justificassem a sua marcha de cagados.

Os Agentes, em regra bonachões, satisfaziam o pedido. Postura que configurava o famoso pacto da mediocridade, que consistia em dispensar alguém de cumprir suas obrigações.

Um salário condizente com a árdua missão que estavam na obrigação de cumprir estimularia-os a viajarem mais apressados. Nenhum estafeta valido, naquele tempo,que fosse bem remunerado, recebendo a mala em Natal, oito dias depois a entregaria em Natal.

A estafante e crucial caminhado do estafeta seguia o roteiro oficial, percorrendo as distâncias e gastando o tempo necessário assim especificados: - De Natal à Jardim de Angicos - 22 léguas em um dia. – De Jardim de Angicos a Angicos – 15 léguas em dois dias. - De Angicos à Assu - 08 léguas em um dia. – De Assu à Mossoró - 18 léguas em dois dias. - De Mossoró a Apodi - 14 léguas em dois dias.

Estes traçados representativos das distâncias e do tempo necessário para percorrê- las, eram cumpridas por dois estafetas, um saindo de Natal tendo como parada final, ou seja, percorria 45 léguas em quatro dias, e o outro pegando do Assu à Pau dos Ferros, ponto terminal.

No entanto, a correspondência no remoto ano de 1913 chegou a demorar trinta dias, depois da saída de Natal, para chegar ao Apodi. Para respaldarem a demora, alegavam ter que cruzarem rios cheios, motivo improcedente, uma vez que todos os rios ofereciam rápido transporte.

Em 1913 o Major Manoel Moreira Dias exercia o cargo de Diretor Geral dos Correios no Rio Grande do Norte. Era um cidadão de integridade moral e social à toda prova. Com certeza, a demora dos estafetas devia-se atribuir aos percalços voluntários tais como bebedeiras e forrós, nas festas paroquiais das cidades e, vilarejos percorridos.

Os estafetas eram muito considerados em suas funções, posto que as notícias dos jornais que trazia de Natal, ligava o interior rude e desprovido dos sinais do progresso, à agitação reinante na capital do estado. Tempos árduos e difíceis.

Marcos Pinto é advogado e escritor

domingo, 2 de agosto de 2015

Notas sobre a passagem de Lampião por Antônio Martins

Por José Romero Cardoso e Marcela F. Lopes

Quando da formidável marcha do bando de Lampião pelas veredas do oeste potiguar, intuindo objetivo maior, qual fora, atacar Mossoró, na época já considerada a segunda cidade do estado do Rio Grande do Norte, nenhum lugarejo sofreu mais que a localidade de Boa Esperança (hoje município de Antônio Martins).

Em 12 de junho de 2015 estivemos visitando a aprazível cidade, quando constatamos que continuam vivas as marcas deixadas pelo sinistro bando, não obstante mais de oitenta anos assinalarem a verdadeira faina maldita que deixou sinais evidentes de que as tristes horas jamais se apagarão da memória da simpática gente, embora a maioria não estivesse presente naqueles fatídicos momentos de terror e apreensão, tendo em vista que os mais velhos se responsabilizam pela transmissão dos fatos verificados naquele longínquo ano de 1927.


Lampião e seu bando posa em Limoeiro do Norte (CE), após ataque a Mossoró (Foto: reprodução)

Conversando com pessoas do lugar, houve ênfase ao que literato como Raul Fernandes, em A marcha de Lampião: Assalto a Mossoró, imortalizou em letras garrafais, pois, transmitidas de geração a geração, as histórias da presença do bando de Lampião em Antônio Martins denotam a perpetuação da memória sobre os mais absurdos atos ignominiosos perpetrados pelo banditismo rural sertanejo contra a indefesa população do lugar.

Boa Esperança em seu bucólico cotidiano esperava a banda da vizinha cidade de Martins, pois aproximava-se a festa do padroeiro Santo Antônio. Ao invés dos acordes amistosos, executando músicas tradicionais e conhecidas, despontou célere o bando de Lampião.

O lugarejo passou a ser literalmente revolvido, com cangaceiros se apossando de tudo e de todos, destruindo tudo que encontravam pela frente e praticando atos deliberados de vandalismo.


Cidadão de nome Vicente Lira foi aprisionado quando chegava à cidade. Lampião em pessoa colocou-o na frente da alimária. Pisoteado nos pés pelo animal montado pelo rei do cangaço, Vicente Lira segurou firme nas rédeas. Lampião não gostou, tendo desferido diversas cutiladas do seu punhal de lâmina perfurante no desditado sertanejo. Escapou milagrosamente, tendo morrido de morte natural muitos anos depois.

Irmãos que há tempos não se falavam foram amarrados em formigueiro. Seresteiro descontraído teve o violão enfiado cabeça a dentro, ficando o mesmo como espécie de colarinho.

Melancias foram atiradas contra frágeis cabeças, enquanto pulos do gato foram ensaiados, os quais consistiam em atirar para cima infelizes criaturas, para que as mesmas conseguissem, sem sucesso, a mesma performance dos cangaceiros quando das lutas nas caatingas.

Conceituado cidadão de nome Augusto Nunes teve armazém depredado, queimado, destruído na expressão literal do termo. Prejuízo incalculável que colocou por terra anos de trabalho árduo.

A esposa deste, de nome Rosinha Novaes, era preparada para seguir o bando, como refém. Já estava em cima de um burro quando gritou desesperada que se fosse na terra dela aquilo não aconteceria.

Indagada sobre qual terra era natural, tendo respondido ter nascido em Floresta do Navio, berço de cangaceiros e coiteiros, pertencente ao ramo dos Novaes, prima de Emiliano Novaes, serviu de senha para que o suplício maldito terminasse.

Lampião, avisado por Sabino Gório sobre a presença de uma pessoa da família Novaes em Boa Esperança, deu por encerrada a sessão de horror perpetrada pelos cangaceiros contra aquele povo pacato e trabalhador.

Boa Esperança deveu muito a Dona Rosinha Novaes pelo fim do terrível sofrimento que foi imposto pelo bando de Lampião quando de sua passagem inglória pelo simpático lugarejo.

A memória da população está acesa no que diz respeito aos malditos momentos que seus antepassados passaram nas garras do bando de Lampião, pois é consenso geral as amarguras deixadas pela horda comandada pelo mais audacioso cangaceiro de todos os tempos.

José Romero Cardoso e Marcela F. Lopes são professores e escritores

Os safardanas

O contexto existencial humano se nos apresenta cheio de nuances que exigem decisões prontas, inesperadas, fulminantes, atrevidas, fruto de uma boa têmpera. A afirmativa encontra arrimo nas pessoas que apresentam sutis fatores comportamentais, que se espraiam sob todos os matizes psicológicos. Deleitam-se com a procissão dos conflitos, das preterições, dos desejos abafados – São os SAFARDANAS. 

Recebem os ataques com uma impassibilidade clássica. Servem-se da intimidade das relações existentes para detectar eventuais pontos fracos de sua próxima vítima. Cultivam íntimo prazer insidioso, o que os faz espécies de tênias morais. Como seres da sóbra, argumentam sob a tutela de insinuações, retidos por um sentimento de inferioridade que os impedem de reconhecerem-se a si mesmos. 

Há ainda a tenebrosa característica de que sempre fecham os olhos para a insânia, a injustiça, o sofrimento e a morte. Cometem crueldades pelo simples prazer, configurando patologia de portadores de PMD(Psicose maníaco-depressiva), digna de hospício. Geralmente esses Safardanas negaceiam. São sinistros e traiçoeiros. Passam pelas alegrias e tristezas envoltos numa indiferença doentia. 

Por essas pessoas poder-se-á afirmar que há na sociedade retrocessos atávicos notáveis, dado a conjuntura torturante e inconsequente da mais requintada selvageria – a arte de destruir os outros sob o manto do silêncio e da traição. Por isso impossibilita as suas vítimas de conceberem, sequer, a mais rudimentar tática de defesa. 

Ante os incautos, agem impulsivamente, numa irreprimível hipnos de destruição. Quando deparam-se com pessoas sagazes, atentas ao mais sutil de seus lances, fogem soltando imprecações de angústias e revoltas irrefreáveis. Não raro, tripudiam sobre as suas presas, posto que arquitetam um ataque adrede elaborado consoante as condições excepcionais do meio e do adversário. 

Ao leitor amigo forneço o antídoto a ser usado quando encontrar um Safardana. Lancem mão de uma arma invencível e avassaladora – a interrogação se o mesmo não é portador de “desconfiômetro”(espécie de instinto de dedução lógica) que inibia a iniciativa de insanos ataques a outros, que por sua vez detém insuperáveis arguições de contra-ataques. 

Confesso não encontrar no léxico opulento de nossa língua um termo lídimo de uma refrega que presencia entre um amigo e um safardana. Quedei-me obediente a essa inusitada fatalidade incoercível. Esses seres desprezíveis atacam, de preferência, pessoas rudes, em cujos ânimos combalidos penetram desalentos e incertezas, mobilizando-as. São pressas fáceis nos liames de seus assédios extravagantes. Atacam de inopino. Apreciam a farfalhice depreciativa dos bajuladores. 

Se eu fiz, um dia, o caminho do confronto com um safardana, fí-lo como os colegiais, sem atrevimentos. ele teve uma lata a mais, eu tive um inimigo oculto a menos. A convivência humana constitui um esboço com lances e movimentos grandes mais isolados, dispersos e dilacerados. É por isso que muitos se extraviaram em caminhos estéreis. Resignar-se e contemporizar a isso, seria uma deserção. 

Quando um SAFARDANA percebe que seu ocaso chega aceleradamente, diz coisas condenáveis e bem dignas de execração. Só a análise com acuidade tornará perceptível as manifestações misteriosas, procurando insistentemente impedir a trajetória natural de alguém que nasceu para o ápice do sucesso. 

Auscultando-se o isolamento em que esses larápios são relegados, poder-se-ia afirmar que lá ruge-se, geme-se, chora-se, soluça-se, ulula-se, blasfema-se, pragueja-se e mal-diz-se. 

Cuidado! Você poderá ser a próxima vítima de um desses terríveis eventos que a maldade tece, com aquela persistência que traz o selo da fatalidade. ALEA JACTA EST! 

Por Marcos Pinto - Historiador e advogado