Por Geraldo Fernandes
A trajetória de emancipação de Felipe Guerra foi marcada por três momentos decisivos, cada um refletindo as complexidades políticas, econômicas e sociais do Médio Oeste potiguar. O primeiro ocorreu em 1953, quando a Lei Estadual nº 1.017 criou o município, desmembrando-o de Apodi. A criação de Felipe Guerra representava, na época, um passo importante para a autonomia local, mas encontrou forte resistência. Grupos políticos e econômicos de Apodi, especialmente ligados à família Pinto, não concordaram com a forma como o projeto de criação foi conduzido, pois envolvia grande parte da Várzea e da Chapada, regiões de intensa produção agrícola, incluindo arroz, feijão e fruticultura, além de áreas de exploração de carnaúba, que eram de grande importância para a economia regional. Como resultado, a lei foi anulada meses depois, frustrando temporariamente a expectativa da população local que sonhava com maior autonomia administrativa e política.
Quase uma década mais tarde, em 1962, a bandeira da emancipação voltou a ganhar força. Liderada pelo deputado estadual Newton Pinto, a proposta surgiu em meio a um contexto de acirradas disputas políticas em Apodi, envolvendo o candidato Izauro Camilo de Oliveira, que utilizava a causa da emancipação como um dos principais pontos de sua campanha. Apesar de a Assembleia Legislativa aprovar o projeto e de a lei ser publicada, novamente a efetivação do município não se concretizou. O episódio demonstrou que, além do apoio popular, eram necessárias articulações políticas estratégicas e consenso entre as lideranças locais para superar as barreiras que impediam a concretização do projeto.
Finalmente, em 1963, a emancipação de Felipe Guerra se tornou realidade. O processo contou com articulação política mais ampla, envolvendo lideranças regionais e o apoio do então governador Aluízio Alves, que sancionou a Lei Estadual nº 2.926 em 18 de setembro, criando oficialmente o município. Diferentemente da primeira tentativa, o território desmembrado foi reduzido, evitando maiores resistências políticas e econômicas de Apodi. Além disso, a mobilização da população local, aliada à atuação de figuras como Izauro Camilo, que se tornou prefeito de Apodi em 1962, e outros líderes regionais, consolidou a legitimidade do novo município.
A história da emancipação de Felipe Guerra evidencia que a criação de um município vai muito além de um ato legal. Trata-se de um processo complexo, no qual convergem rivalidades políticas, interesses econômicos, negociações entre famílias tradicionais e a mobilização da população. Entre 1953 e 1963, essas forças se articularam de maneiras distintas, ora bloqueando o projeto, ora impulsionando-o, até que a autonomia administrativa se tornasse uma realidade concreta. Felipe Guerra, portanto, nasceu não apenas do desejo de seus habitantes, mas do delicado equilíbrio entre poder, economia e identidade regional, configurando-se como um marco importante na história do Médio Oeste potiguar.
Geraldo Fernandes é historiador, escritor e poeta felipense.
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