Os rígidos padrões de criação introduzidos pelo português na gênese das famílias que colonizaram estes inóspitos sertões, amalgamaram na índole dos descendentes uma ortodoxia que, muitas vezes, insere-se em uma realidade um tanto quanto esdrúxula.
A geografia humana d’antanho apresenta certas peculiaridades que, antes a realidade hodierna, se nos apresenta com um perfil de repetidas e estupefatas manifestações de espanto, tal a dureza da aplicação das normas disciplinares domésticas. Observa-se-à necessariamente, que tais condutas implicavam num sequenciamento dos ditames morais que regeram os destinos dos primeiros povoadores destes sertões, forçados à convivência com a indiada hostil, acolitada à realidade da escassa existência de fidalguia nos incautos mancebos que assediavam, de forma hostil, as donzelas que habitavam os velhos casarões dos senhores sesmeiros, coronéis e capitães-mores das ribeiras do Apody.
Dentre estas vetustas matriarcas destaca-se a figura de Dona Maria José Fernandes, nascida a 06.01.1905, na fazenda Cantinho, do município de Pau dos Ferros, filha do major da Guarda Nacional Tertuliano Sinfrônio de Queiroz(major Terto do Cantinho) e Dona Maria Galdina da Conceição (da família Guedes), tendo o referido major Terto casado três vezes, deixando uma prole de mais de 20 filhos. Há uma curiosidade a revelar quanto ao major Terto, que consiste em que o mesmo passou cerca de 12 anos estudando em seminário, com intento de concretizar um sonho de uma aspiração de seu tio, o padre Leão Fernandez de Queiroz, cujo objetivo não foi concretizado por deliberação do próprio Tertuliano, que apercebera-se, embora de forma tardia, que não era detentor de vocação sacerdotal.
Acredita-se que a clausura do seminário condensou-lhe energias para convolar três núpcias e deixar uma prole de mais de 20 rebentos.
Adentremos a biografia de Dona Maria José. Casou-se muito jovem com o senhor Francisco Fernandez de Queiroz, conhecido como Chiquinho Fernandes. Há que se ressaltar que dona Maria José, quando jovem, chegou a comandar os destinos de um comboio que vinha de Pau dos Ferros com destino a Mossoró, tal era sua disposição sobre quantos mancebos compunham aquela excursão comercial.
De sua respeitosa prole, destacam-se, dentre outras, a figura de Maria Salete Fernandes de Queiroz, casada com seu primo paterno, Amaury Fernandes de Queiroz, grande empresário do ramo da construção civil, proprietário da famosa Casa dos Ferros, que com sua luta e seu espírito desenvolvimentista construiu um patrimônio legado a sua família, além de consolidar os segmentos empresariais do Estado do RN.
Não poderíamos deixar de evocar a figurar impar de Juarez Fernandes, proprietário da loja comercial “A Iluminadora” situada à Rua Felipe Camarão, no antigo bairro da Paraíba. Ao longo de seus setenta e tantos ano, em muito contribuiu para o desenvolvimento desta cidade, notadamente no ramo comercial de materiais elétricos, deixando seu nome incrustado nos anais da história mossoroense, alavancando o progresso com sua garra e disposição de sertanejo de mãos calejadas, afeitas à faina, rija por convicção e por postura consuetudinária.
Dona Maria José apresenta uma trajetória invejável, tendo como característica principal a polidez nos hábitos domésticos e sociais, transmitidos de geração a geração que por sinal ela alcança em vida, a magnífica convivência com três gerações depois, tendo a perspectiva de, em vida, ter alcançado a quarta geração, posto que tem vários bisnetos na fase de adolescência.
O que nos causa profunda admiração reside na lucidez com que Dona Maria José evoca fatos passados há mais de 60 anos, como por exemplo o bárbaro assassinato de um irmão de seu Terto Ayres e ferimentos em seu pai, isto em 1919, quando o Dr. Ferreira Chaves governava o Estado do RN. Tal acontecimento motivou a mudança de residência do senhor Terto Ayres de Pau dos Ferros para Mossoró, onde chegou a exercer a presidência da Intendência Municipal, posto que equivale ao cargo de prefeito municipal.
Dona Maria José evoca ainda as lideranças políticas que predominavam na região Oeste, quais sejam as pessoas do Cel. Joaquim Correia(em Pau dos Ferros e imediações), Cel. João Pessoa de Albuquerque, em São Miguel e adjacências, Cel. Francisco Pinto, no Apody, com circunscrição no território que abrange os atuais municípios de Felipe Guerra, Itaú, Rodolfo Fernandes e Severiano Melo, e demais lideranças que pontificavam na política oestana.
Há que se fazer um traçado genealógico de Dona Maria José, observando-se que a mesma é neta paterna de Domingos Jorge de Queiroz e Sá(filho do português José Pinto de Queiroz e Ana Martins de Lacerda) e de Dona Maria José do Sacramento, nascida em 1778, filha do também português Mathias Fernandes Ribeiro, povoadores destes sertões e troncos familiares que se encontram disseminados pelo oeste potiguar, entrelaçados com os Rêgos, Torquatos, Guedes, Gameleiras, Bezerras, Aquinos, etc.
Em seus 92 anos bem vividos, encontramos verdadeiras lições de vida, sempre sedimentada na harmonia do convívio social, sinônimo do vasto círculo de amizade que, numa busca sempre incontida, encontra-a como um verdadeiro símbolo representativo da matriarca sertaneja, reduto de nuances acumulados ao longo de seus 92 anos, indispensáveis ao bem viver e ao bem querer.
Ela pode ergue sobranceiramente a cabeça e dizer: Meninos, eu tenho o diploma da vida.
Por Marcos Pinto – historiador e advogado
Jornal Caderno de Domingo – Mossoró, 18 de setembro de 1997.
Fico feliz por conhecer um pouco mais da história dessa minha querida e saudosa tia Maria José.
ResponderExcluirConheci-a bem de perto. Na minha infância e mocidade, ainda no sítio "Cantinho" ; e já mais adulto, entre Pau dos Ferros e Mossoró.
Muitos dos relatos acima são de meu conhecimento (além de outros acontecimento na e da viada dessa querida tia).
Palmas para o autor do texto.