sábado, 21 de fevereiro de 2015

O poder de mando e o mando do poder


“Entre fortes e fracos, os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem”.

A história, em suas infinitas controvérsias, tem estimulado os perscrutadores dos fatos pretéritos, comumente denominados de pesquisadores/historiadores a buscarem em documentos oficiais irrefutáveis as facetas escondidas sob particularidades várias. A pesquisa feita com olhar cirúrgico tem proporcionado elucidar fatos e tirá-los do obscurantismo proposital.

Nos meandros do poder há uma proverbial discrição e reserva, com objetivo único de ocultar o libelo, a prova recriminatória de fatos escusos e ilícitos, praticados nos subterrâneos do poder. O celebrado historiador carioca Otávio Tarquínio de Souza fez interessante resgate histórico sobre o Imperador Pedro I, em memorável trabalho intitulado “A vida de D. Pedro I “.

Dentre as descobertas, revela-se um fato emblemático que ele disseca de forma admirável, nos seguintes termos: “Quando Rio Pardo, o antigo Ministro da Guerra, que se mantivera fiel até o último momento, e teve de fugir porque a sua vida corria perigo, chegou a bordo, D. Pedro soltou grandes gargalhadas e caçoou do fugitivo. Paranaguá, antigo ministro da Marinha, tendo que se esconder pelo mesmo motivo, apresentou-se a bordo”.

D. Pedro disse-lhe que dele não se podia encarregar. Respondeu-lhe o outro que, neste caso, só lhe restava tornar a Portugal, onde tinha direito a uma pequena aposentadoria.
Disse-lhe o ex-Imperador: “Espero que não irás a Portugal antes da minha filha estar estabelecida no trono.

“Mas, Senhor, que quer que eu faça? Não tenho fortuna, só tinha meu subsídio”.
- Faça o que quiser, não é da minha conta; porque não roubou como Barbacena? Estaria bem, agora”.
(Episódio ocorrido à bordo do Warspite, navio em que D. Pedro I zarparia para a Europa depois da abdicação, em 1931).
Em nossa amada Província encontramos diversos registros esparsos na tradição oral. Reúnem alguns elementos inéditos que podem ser avocados para ajudar a reconstruir a nossa densa história.
Nesse contexto, sobressaem-se fatos protagonizados pelos ex-governadores Ferreira Chaves (01.01.1914/ 01.01.1920 – segunda gestão), Dinarte Mariz e Aluísio Alves. O primeiro era autoritário, detestava as críticas ao seu governo e perseguia os adversários.
Na segunda gestão, sob pretexto de reformar a magistratura do estado aposentou cinco Juízes de Direito e cinco Desembargadores para nomear seus parentes e amigos, dentre os quais Horácio Barreto e Felipe Guerra, como Desembargadores.

Aluízio e a massa (Foto: Reprodução)

Conta-se que Dinarte Mariz, ao assumir o governo do estado em 1956, fora procurado no Palácio por tradicional e prestigioso líder político da região do Seridó que, sem subterfúgios, solicitou-lhe uma ”acomodação” / emprego de professora para sua filha. Passados seis meses sem que sua reivindicação tivesse sido atendida, eis que o velho líder sertanejo retornou ao palácio do governo, para cobrar o atendimento ao seu pleito.

Estupefato diante esse imbróglio, Dinarte convocou o Secretário de Educação a se fazer presente ao seu gabinete, ocasião em que indagou-lhe sobre o porquê de sua indicada ainda não ter sido convocada para lecionar, tendo recebido a resposta de que a mesma era analfabeta.
Dinarte prontamente determinou:
– Então nomeie ela e em seguida aposente-a!
Três dias após o Diário Oficial do estado trazia a nomeação e a aposentadoria da mesma.
Ainda buscando estabelecer os nexos e as inter-relações dentro do poder, exercido de forma coronelista pela velha raposa política Dinarte Mariz, destaca-se a indicação de um seu apadrinhado político, que submetera-se a concurso para provimento do cargo de Juiz de Direito e não lograra êxito. Ao saber do inusitado, Dinarte convocou o seu Chefe de Gabinete, determinando-lhe que empreendesse diligências em seu nome, para que o seu ”protegido” tivesse o nome publicado no Diário Oficial do Estado como aprovado em primeiro lugar. Dito e feito.
Configurara-se, assim, o poder do mando e mando do poder.
A ostentação e a hipocrisia sempre predominaram nas hostes do poder.
Aluísio Alves, oriundo das alas conservadoras de José Augusto e Juvenal Lamartine, sempre evidenciou em si rasgos de arraigado coronelismo em suas atitudes. Ufanista pela força eleitoral que emprestava-lhe prestígio e poder de mando, sempre predominou com ou sem caráter oficial. A vasta ascendência social massageava-lhe o ego.

Em seu governo (1961-1965), usando de prerrogativas estabelecidas na Constituição estadual, pôs Juízes de Direito em disponibilidade por pura perseguição política. O asqueroso e truculento Golpe Militar de 31 de Março de 1964 encontrou-no no comando do governo do estado. Em poucos dias aderiu ao odiento regime militar.

Mandou buscar em Recife dois renomados torturadores, com cursos em espionagem e contra-espionagem feitos no FBI e CIA, f eitos nos Estados Unidos, o que rendeu-lhes fama e prestígio junto aos militares.

As minudências dessa ignominiosa compostura Aluísio Alves encontram-se muito bem descritas e elencadas no livro intitulado ”1964 – Aconteceu em Abril”, de autoria da professora Mailde Pinto Galvão.

Existe uma farsa sempre hipócrita que nenhuma autocracia resiste: A do ensaio de mascarar a repressão inclemente do inimigo político vencido, sob a aparência da neutralidade do aparelho e das formas jurídicas, previamente submetidos aos desvarios da intolerância”.

Marcos Pinto é advogado e escritor
(FONTE: BLOG DO CARLOS SANTOS - Edição 25.01.2015).

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