sábado, 9 de agosto de 2025

Em cerimônia histórica, IFRN concede título de Doutor Honoris Causa ao Cacique Luiz Katu

Foto: Justino Neto.

Em uma solenidade marcada pela emoção e pelo forte simbolismo de reparação histórica, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) outorgou, nesta sexta-feira, o título de Doutor Honoris Causa ao Cacique Luiz Katu.

A cerimônia, realizada no auditório do Campus Canguaretama, reuniu autoridades acadêmicas, lideranças indígenas de diversas comunidades, representantes de movimentos sociais, servidores e estudantes, celebrando a trajetória de um dos mais importantes defensores dos povos originários do estado.

A concessão do título, proposta pelo professor Flávio Ferreira, diretor-geral do Campus Canguaretama e aprovada por unanimidade pelo Conselho Superior (Consup) do IFRN, reconhece a notável contribuição de Luiz Katu na luta pela demarcação de territórios, na defesa da educação escolar indígena e na afirmação da identidade e dos direitos do povo Potiguara.

A solenidade foi conduzida pelo reitor do IFRN, professor José Arnóbio de Araújo Filho, que destacou o papel da instituição em corrigir invisibilidades históricas. "Ao conferir o título de Doutor Honoris Causa ao Cacique Luiz, essa instituição cumpre o seu papel fundamental na sociedade: restituir o lugar de destaque que o Estado negou aos povos potiguaras do Rio Grande do Norte", afirmou o professor Flávio Ferreira.

O reitor José Arnóbio, em seu discurso, reforçou a importância da educação como ferramenta de transformação e resistência. "Você é prova de resistência para o seu povo, para este estado e para este país. Mesmo diante das dificuldades, a gente não pode baixar a cabeça. A gente precisa lutar pelo que a gente acredita", declarou o reitor, visivelmente emocionado, dirigindo-se ao homenageado.

Uma trajetória de luta e resistência

Nascido José Luiz Soares em 1976, em Goianinha, Luiz Katu cresceu ouvindo as narrativas de seu povo enquanto enfrentava o apagamento de sua identidade na escola formal, onde se ensinava que "não há indígenas no Rio Grande do Norte". Em um discurso comovente, o cacique relembrou sua infância e as dificuldades enfrentadas, desde o preconceito por ser "catuzeiro" até a jornada tripla de cortar cana, dar aulas e estudar para concluir o magistério."Eu fui reprovado na primeira série quatro anos seguidos", contou. "Quantas vezes eu não ia brigando? Catuzeiro era pejorativo, que nos distinguia de qualquer outra pessoa dessa cidade, que nos identificava como o bicho do mato, o pé no chão, o sujo".


Sua trajetória como líder ganhou destaque em 2005, durante a primeira audiência pública sobre os povos indígenas do RN. Desde então, tornou-se uma voz incansável na defesa de seu povo, sendo eleito Cacique da Aldeia Katu e, posteriormente, Cacique Geral dos Povos Indígenas do Rio Grande do Norte. Sob sua liderança, a primeira escola indígena do estado foi demarcada, um marco que, segundo ele, veio "pela educação".

Cerimônia

O rito acadêmico foi permeado por momentos de grande emoção. A biografia do homenageado foi lida por sua filha, Ladine Soares, estudante de Licenciatura em Educação do Campo. O momento da outorga, com a aposição das vestes talares e a entrega do diploma, foi aplaudido de pé por todos os presentes.

Foto de Justino Pereira

Em sua fala como Doutor Honoris Causa, Luiz Katu dedicou o título a todas as lideranças e comunidades indígenas. "Essa é uma trajetória que não é minha, é uma trajetória nossa, é uma trajetória de luta dos povos indígenas", afirmou, pedindo que todas as lideranças presentes se levantassem para compartilhar a homenagem. Ele finalizou com um chamado à ação: "A demarcação das terras indígenas do Rio Grande do Norte, essa é a nossa principal luta e reivindicação. Proteger o território, proteger as águas da nascente, proteger a mata atlântica contra a invasão do agronegócio".


Ao encerrar a cerimônia, o professor Arnóbio, emocionado, declarou que "A homenagem ao Cacique Luiz Katu representa não apenas o reconhecimento de um percurso individual, mas a reafirmação do compromisso do IFRN com a diversidade, a inclusão e a reparação histórica, fortalecendo os laços com os povos que são a raiz do Brasil".

Escola João Lino da Silva

A Escola Municipal João Lino da Silva, em Canguaretama, foi a primeira escola indígena do Rio Grande do Norte e teve Luiz Katu como o primeiro diretor. Por lá, ele também exercia as funções de ser professor de etno-história. Reconhecida pelo Ministério da Educação e pelas secretarias municipal e estadual de Educação, a instituição tornou-se referência no RN no debate sobre implantação de escolas indígenas em outros territórios.

No ano passado, Katu recebeu o título de Professor Honoris Causa pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. A homenagem celebrou o aniversário de 56 anos da Uern e ficou marcada como a primeira vez em que a universidade estadual concedeu um título honorífico a uma personalidade indígena.

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